sábado, 13 de junho de 2015

Três

Quase seis da manhã e eu achava que era o despertador tocando fora do dia programado. Abri os olhos lentamente, o corpo não queria acreditar que eu tinha acordado, em pleno domingo, justamente naquela hora. As mãos foram sozinhas em direção ao criado mudo, pegaram o celular que não estava a despertar. A cabeça começou a raciocinar e me dei conta que era alguém na porta.
Nos passos de tartaruga, fui pelo corredor, prendendo os cabelos, passando a mão no rosto como se fosse um jato d'água para me despertar e fui ver quem era. Era ele. Sem camisa, encostado na parede, esperando alguém abrir. Abri e ele ria, pois sabia que a boemia tinha sido sua companheira aquela noite, mas que era comigo que iria começar o dia. Ainda não estava totalmente acordada, mas ouvia cada frase, cada história, cada riso, cada trago, cada pedido de faz um café bem forte, cada vem cá e me dá um abraço, cada acorda, mulher.
Depois de algumas xícaras, achei melhor voltar pra cama. Voltamos juntos, nos abraçamos, conversamos de olhos fechados, com cafuné, direito a um cochilo e um beijo na testa que parecia de despedida. Quando ele acordou, eu não vi. Quando ele saiu, eu não vi. Eu sabia que ele tinha outras mulheres. Eu era uma delas. A outra era a noite. A mais nova eu não conhecia. Era Janaína, que morava no mar. E ele, como um grande aventureiro, com ela foi morar. Foi ouvir e contar novas histórias. Foi ser herói e anti-herói. Num mergulho certeiro, foi pra eternidade abraçado nos braços da Grande Mãe.

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"Na vida tudo pode acontecer
Partir e nunca mais voltar"

Vá com Deus, Maicon.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Neruda que você não leu, peguei de volta.

Lembro como se fosse hoje: Seu Carlos, o porteiro, já me conhecia, então foi mais fácil do que eu pensei buscar o que era meu. Bom dia, moça! Quanto tempo! Como vai? Vou bem, obrigada enquanto eu subia pelas escadas, porque continuo com medo do elevador parar no meio do caminho. O cheiro do cigarro da vizinha do 402 ainda continuava no corredor. O tapete do 406 ainda permanecia de cabeça para baixo. E a sua porta, como sempre, permanecia aberta, sem estar trancada, mas eu não era mais bem vinda.

Bati na porta pra ter certeza de que não tinha ninguém. Entrei com os mesmos pés de lã que eu saí da última vez, pedi licença para os quadros nos quais os personagens pareciam acompanhar meus passos. Peguei o que eu tinha deixado lá. Era um presente-surpresa. Mas você nunca percebeu. Mas também pudera, no meio de tantos livros, um a mais ou a menos, não ia fazer tanta diferença. Ainda deu tempo de folhear aquele que eu tanto gostava. O coloquei no lugar que encontrei. Passei os olhos em cada livro, só para ver se tinha alguma novidade. Não tinha. Só o pó da poeira que a rua soprava para dentro dos apartamentos.

Sentei no sofá para fotografar com os olhos o que eu não voltaria a ver tão cedo. O gato dormindo embaixo da mesa, as roupas penduradas, a luz da abajur que eu não sabia como apagar, o cheiro do café que ficou esquecido no braço do sofá. Fitei cada detalhe. Passei meu perfume na almofada que encostei só por impulso. Levantei. Saí.

Seu Carlos, posso deixar uma encomenda aqui para você entregar? Acho que não tem ninguém lá em cima, dizia eu pensando em desistir de levar Neruda comigo de volta. Aliás, pode deixar, eu mesma entrego depois. Seu Carlos ainda perguntou se eu queria deixar recado. Disse que não, que eu ligava. Mas eu não liguei. E eu nunca mais voltei.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Mais uma dose, por favor.

Foto: Vinícius de Moraes, casando-se com Gesse Gessy, atriz baiana, em Salvador, 1973.

Pode parecer loucura, mas o título do texto não está errado. Eu sempre fui de querer repetir as doses das coisas que gosto. Um copo de cerveja, um cigarro, um beijo, um abraço, um cochilo, uma viagem, um doce, o que quer que seja: quando eu gosto, eu não sei moderar o meu querer infinito.

Certa vez, lendo umas coisas ou outras por aí, me deparei com as histórias do Vinícius e seus amores. Me chamem de louca, se quiserem, mas achei magnífico a possibilidade dos relacionamentos se reiventarem, independente da quantidade de vezes - visto que o Vina se casou 9 vezes. Imagina que legal seria casar várias vezes? A cada amor, um amanhecer diferente. Um gostinho de início com o tempêro de cada pessoa. Um meio bem sei lá, pois com cada um isso também seria diferente. E o final com a certeza, que, independente de como se interprete, o amor é eterno, sim. É um sentimento que não morre dentro da gente. Não é a toa que amamos outras pessoas, mesmo se um relacionamento anterior não deu "certo". Não é a toa que perdemos e ganhamos amigos. Que gostamos de uma banda hoje e amanhã outra. Não é indecisão, mas é que, assim como nós precisamos, o sentimento precisa se reinventar, sem perder a sua essência.

Todo dia acordo sendo Amanda. Um dia ou outro, mudo alguma coisa, mas continuo sendo Amanda. E assim trato as coisas que gosto: um dia sim, outro dia também e mais outro, por favor. Que nunca me falte mais uma dose do que faz bem ao coração. Pode ser aqui, amanhã pode ser em Londres. Mas que nunca falte. E é por isso que voltei a escrever, porque assim como o amor, a escrita me transforma a cada dia. Fiquei anos sem praticá-la, mas a minha fascinação pelas palavras ainda sabem onde estão as teclas, as letras e o que a minha imaginação quer colocar para fora.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Domingo.


Liguei a TV e sentei na poltrona próxima à janela. Ao som da voz de um apresentador qualquer, percebi que naquele momento eu não tinha o que fazer. Deixei a TV ligada e saí perambulando pela casa com esperança de achar algo interessante para preencher o vazio que o tédio nos preenche.
Observei o gato deitado de maneira estranha-meio-que-acrobata, a cortina que balançava, a luz que aparecia e sumia sob a planta da estante, a entrada de poeira que deu pra perceber com a graça da luz, o quadro que entortei e não coloquei no lugar, as roupas em cima da cama, a torneira aberta por causa do defeito que sempre esqueço de consertar, o espelho que anda sujo, as canetas que esqueci na escrivaninha, os livros fora da ordem, o espelho novamente...
Tá, eu poderia poupar você de saber do trajeto, mas achei tão cinematográfico que achei que ele merecia estar descrito. Agora, voltando ao espelho, por ter parado de frente pra ele – para um momento quase narciso, me dei conta de como esse objeto meche com a gente. Ainda paralisada, observando os detalhes em mim, não era exatamente na minha pessoa em que eu pensava. Pensei numa viagem à Londres, no frio da Rússia que nunca senti, no calor da Índia que ainda penso em passar. Pensei até em virar cineasta. Quem sabe começar por um roteiro? Ou então me contentar com um poema? Ou um café? Sacudi o rosto para passar o devaneio e resolvi fumar. Acendi o cigarro, voltei para a poltrona. Poxa, mas eu nem fumo mais - pensei. Apaguei o cigarro, joguei o cinzeiro e a carteira fora e fiquei sem nada para fazer.
Vidrada em um calendário me dei conta do motivo do tédio. Era domingo! Meu deus! Por que eu não pensei nisso antes? Permaneci sentada porque já havia encontrado explicação para a maresia. Era como se o fato de o domingo ser apenas domingo, fosse o suficiente para funcionar como maneira de me conformar e de me deixar apenas ali, sentada. Afinal, era domingo. E no domingo, a gente não tem obrigação de fazer alguma coisa.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Da série de textos que não precisam de títulos.

Sai do metrô, pega a esquerda, esquerda de novo e pronto: casa dele. Sempre a mesma agonia por dentro até ele atender o interfone. Abria a porta como quem nada queria, me beijava os olhos, acariciava o meu rosto e fazia o café ou qualquer coisa pra tapear os primeiros minutos de um encontro.
Durante o devaneio da cafeína, conversávamos, sempre olhando nos olhos do outro, sempre sabendo de que aquilo tudo era muito bom. As palavras eram interrompidas por beijos que viravam carinhos que viravam tropeços pela casa que viravam apertos que viravam roupas pelo chão e fim.
Eu só tinha certeza do que iria acontecer quando ele tirava os óculos. Isso era um sinal de que ele estava se libertando de algo pra gente virar um.
Mas hoje eu saí do metrô, peguei a esquerda, esquerda de novo e pronto: casa dele. Ele abriu a porta como quem algo queria, beijos as minhas mãos e me convidou para sentar. Foi até a mesa, virou para mim e disse que precisava conversar algo urgente comigo. Gelei, pensei em começar a falar, mas senti que não devia. Ele me deu as costas, olhou para mim novamente, virou e não tirou os óculos. Nesse momento me dei conta de que já não era mais a nossa hora. Mas como as coisas sempre nos surpreendem, ele chegou mais perto e acariciou os meus ombros. Eu comecei a ficar mais confusa até que me dei conta de que ele deixou os óculos caírem. Não disse nada. Apenas olhou pra mim e deixou tudo acontecer.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Surpresa.

E lá vai ela pela rua. Não sabe se vai para esquerda ou para direita, só sabe que vai. Mas... Para onde? Que se dane, o importante é ir, pensou. E foi, foi, foi e ainda não sabia para onde foi. Encontrou uma bandeira no chão. O que essa bandeira fazia no chão? O que poderia ter acontecido alí? Isso era mais uma coisa que ela não sabia. Continuou andando e encontrou um ser deitado. O que ele fazia alí? E a resposta é a mesma: ela não sabia.

(Para saber sobre o que era a bandeira e quem estava deitado, vamos ter que esperar o amigo Anderson terminar o livro dele).

quarta-feira, 9 de março de 2011

Poesia de um bebum

Eu gosto da loira
Eu gosto da branquinha
Garçom, desce mais uma!

Eu gosto da moreninha
Eu gosto da ardente
Garçom, já não lembro meu nome

Eu gosto (pausa pra soluço)
Eu gosto da Kátia
Garçom, o que eu estou falando?

Eu gosto mesmo é de beber
Eu quero ir pra casa
Garçom, fecha a conta que amanhã eu pago